quarta-feira, 22 de abril de 2009

Classe A


Me recordo, dos velhos tempos, qdo se classificavam as pessoas pelo numero de banheiros e televisores que tinham em suas casas.
E nem imagino se ainda fazem assim nos dias de hoje. rss
Como tb me recordo da furia com que todos se esforçavam por fazer parte das classes A, B ou delas ter o tanto ambito acesso.
Na faculdade eram poucos aqueles que se dispunham a pensar em atender a populaçao de baixa renda. E muitos destes imaginando, é logico, que isto se transformasse em um "business" lucrativo: uma tristeza...
Eu que sempre fui uma utopista, senao lunatica, imaginava que, com minha historia escolastica, devia reverter a minha profissao em favor dos menos providos. Ao menos por um bom tempo, até poder tornar valida a minha escolha.
E fui atender operarios de uma grande multinacional. Em um trabalho que se demonstrou ser muito gratificante, tanto para mim qto para as pessoas que eu atendia.
Mas quiz o destino, chamemos assim, que este percurso fosse interrompido de um modo até que bem injusto.
E eu me vi procurando um trabalho no estilo daquele que tinha, pq ainda acreditava que podia continuar com a minha velha idéia.
Dai o maximo que consegui, foi que terminei entrando em uma bela e longa crise existencial.
Isto depois de ter que ver e ouvir as coisas mais absurdas e outros disparates mil.
Como, por exemplo, a exigencia de se fazer manobras e trabalhos desnecessarios ou outras coisas que colocavam em cheque, até, os meus proprios valores.
E até ai, digamos, a coisa toda até poderia "passar batida" por ser de natureza moral, para um que nao levasse muito em conta isto. E o que nao é, absolutamente, o meu caso!
Mas ter que chegar a me esquecer o que seria esterilizaçao, algo que encareceria muito o atendimento ( na argumentaçao do empregador) e tb os materiais mono uso, que nestes lugares deviam ser reutilizados, era tudo uma outra coisa: pq isto era algo cri-mi-no-so.
Para piorar, tive tb que ouvir ser necessario assinar documentos onde constava o meu compromisso em nao engravidar enquanto trabalhando com a empresa x ou, até, que quem era formado na USP nao se prestava a fazer o tipo de serviço oferecido por eles. Ahm...coisa...?
Olha que naquela época eram poucas, mas pouquissimas mm, as faculdades de odontologia.
Enfim...
Estavamos falando da area médica, minha gente!
E aquele que foi meu primeiro "contato com o mundo real" me deixou revoltada, enojada, até.
O que me fez lembrar do meu avo Philemon, médico, que reservava um dia da semana sò para poder atender pacientes que nao tinham condiçoes de paga-lo.
Onde estariam as pessoas que ainda pensavam assim...?
Pq era uma vergonha ver como as coisas tinham se transformado...
E a minha experiencia, que eu conto aqui para vcs, se passou faz quase 30 anos atras, por incrivel que isto ME pareça.
A do meu avo, entao, eu penso que quase beiraria um século.
Mostrando como as coisas se deterioram em tanto pouco tempo, e o digo em termos historicos.
Em um parenteses: dai me restou atender pacientes particulares.
Nao sem uma certa dificuldade, dado que ja me encontrava em uma outra situaçao familiar e nem tinha uma clinica que fosse minha: me adequava.
E foi quando me deparei com pessoas que em sua grande parte eram elitistas, fossem os proprios profissionais, fossem apenas sò os pacientes.
E foi o golpe fatal. Pq eu terminei por me desiludir de tudo, e totalmente.
Como naquela época eu ja era mae, e uma mae quase que sempre sozinha, decidi me dedicar a suprir, principalmente, os meus dois filhos. Naquilo que se caracterizou como sendo uma clara divisao de trabalho: um que passava todo o tempo fora de casa e o outro que tocava as coisas da familia para a frente.
Me empenhei muito nisto, como é do meu carater, enquanto tb fazia uma especializaçao meio que aos trancos e barrancos, ao longo dos anos, rss.
Resolvi deixar para tras o sonho de me realizar profissionalmente, isto pq acabei entendendo que seria uma coisa apenas egocentrica. Pq, por um outro lado e naquele momento de decisao, eu acreditava piamente que, naquele mesmo momento, eu tinha um outro encargo que era muito mais importante do que este. Além do fato, é obvio, de acreditar que tivesse apoio para isto em um ambito mais restrito, apesar de alguma critica externa que pudesse ouvir.
Por isso passei os anos, e terminei meus dias na minha profissao, como uma mera coadjuvante. Oferecendo toda a infra estrutura que me era possivel e tb auxiliando em um nivel mais basico, sem mais trabalhar em primeira pessoa, ou por mim mesma e isto, eu digo, em um senso apenas profissional.
E encerrei a coisa toda assim: mezza dona-de-casa, mezza faz tudo.
E esta coisa ja se fez ha quase uns bons dez anos destas linhas, que lhes escrevo agora.
Bem, "reso conto" e "mea culpa" à parte, retorno ao fato genérico de que falava.
Pq o fato é, minha gente, que isto nao acontece sò com a classe médica nao, acontece no geral e em modo particular, tb.
Tanto pq em outras partes, assim como aquelas da educaçao, das artes, dos esportes, da politica, ou mesmo aquela familiar, fora mais varias outras, se enveredaram por este mm caminho: o da deteriorizaçao.
O lucro esfrenado sobre o individuo.
A vaidade sobre a compaixao.
O egoismo e o consumismo, sobre tudo quanto.
E nem elenquemos todo o resto, que fica melhor assim.
Pessimismo meu?
Nao.
Pura constataçao.
Dificil compreender estas coisas todas e, ainda por cima, ter que fazer parte deste mecanismo, seja direta que indiretamente. Pq para aqueles que tem uma consciencia daquilo que acontece, isto tudo quase que doi.
E para sobreviver à esta constataçao, algumas pessoas encontram outros caminhos. Alguns mudam seus velhos objetivos, outros abandonam certas taticas, tantos abdicam de certas situaçoes, uns poucos se desiludem totalmente enquanto uns certos decidem dividir o que tem. A parte aquele outro tanto que se dispoe em por as maos em ferramentas, navios, armas, enfim...
Em um primeiro momento pode até parecer que uma coisa nao tenha a ver com a outra, bem sei...
Mas a verdade é que cada um, baseado em sua propria bagagem e as situaçoes em que vive, mais o modo como enxerga e se sente com relaçao a este todo, termina por se posicionar.
E faz as suas escolhas naquele que é o seu, por assim dizer, "momento historico".
E nòs nao poderemos, nunca, estar a criticar o outro por exercer, ele mm, a possibilidade de poder faze-lo, igual a nòs mesmos. Ainda com a chance de que isto venha a ser diametralmente oposto ao nosso entendimento da coisa. Ou, pior ainda, ao nosso critèrio do que seja certo ou errado.
A Revista Brasileiros tratou, em parte, deste argumento que eu estou apenas acenando.
Mas o esforço ou a visao de umas poucas pessoas que nao seguem o querer ser um profissional de sucesso que atenderia sò e exclusivamente a classe A, que è a coisa em voga, é ainda pouco para sobrepujar os muitos que nao abrem mao de estar no topo da piramide, nao importa qual seja.
Coisas, talvez, do nosso passado de espécie predadora...


6 comentários:

Nela disse...

Clau, li com atenção o que escreveu, é triste realmente, não podermos exercer aquilo que temos vocação, ainda mais um curso lindo que tirou, e querendo ajudar quem precisava,sabe a culpa nunca morre solteira, os nossos governantes são eles os culpados, pq além de nada fazer em nossa ajuda, ainda recusam quem a quer fazer, e quanto á história do seu avó, meu bisá,tb era médico e da provincia, e dava consultas uma x por semana sem nada levar, lá lhe davam galinhas ou fruta, como contava meu pai, mas era lindo o que fazia toda a gente o procurava, e a todas as horas lhe batiam á porta...agora é só á custa de dinheiro que temos bons médicos, pq os da segurança social, ou do estado, têm tão pouco tempo para ver um doente que nem sabes fazer um diagnóstico, e por x até o doente morre, mas o culpado volto a dizer é o governo.Tenho pena de não ter continuado amiga com aquilo que tanto gostava a sua profisão.Beijinhossss.

clau disse...

Ciao Nela: e obrigada pelas suas palavras.
Eu nao acredito que as coisas sucedam por acaso e que somos vitimas delas, nao.
Mas acredito que tudo que acontece tem um senso e uma razao. E o que levamos conosco, afinal, é aquilo que a vida nos ensina.
Tufo de bom!
Bjs!

Fábio Adiron disse...

Clau

Televisão nem tanto, mas número de banheiros ainda é um dos melhores indicadores de padrão de domicílio.

O que não significa que classe A em banheiros o seja em outros quesitos.

clau disse...

Fabio: certo que se entrarmos no mérito, uma pessoa de classe A deveria ser tudo uma outra coisa...
Ninguém deveria ser avaliado e qualificado pelo que tem e sim, por aquilo que é.
Mas isto è sò o ranço de uma sociedade materialista...
Tudo de bom pra vcs.
Bjs!

Fábio Adiron disse...

Infelizmente, nessa lógica neoliberal, as pessoas são o que tem (ou que podem comprar).

Já eu, prefiro as pessoas de A a z, adoro a diversidade.

clau disse...

Verdade,Fabio.
A diversidade, e em qq ambito que seja, ajuda a "crescer", aprender e a ser fraterno, Isto se nao acontecesse, quase que sempre, tudo ao contrario disto...! rss.
Bjs!